quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010





Edson Zampronha, Compositor

Entrevista para o blog Arte Brasil



1) ( Aldo Moraes pergunta): Edson Zampronha, é um prazer ter você falando com o público que acompanha nosso blog. Poderia nos contar um pouco sobre sua trajetória musical ?


Zampronha responde:

É um prazer poder participar do Blog Arte Brasil. Minha trajetória musical começou dentro de casa, onde recebi uma formação excelente. Minha família é praticamente toda de músicos. Minha mãe, a Profa. Dra. Maria de Lourdes Sekeff, era uma grande pianista, pesquisadora e educadora musical. Meu pai vem de uma família de músicos, e sempre foi admirador musical e grande colecionador de obras de todos os gêneros, incluindo a música contemporânea. Meu avô paterno e meu tio-avô também eram compositores. Com minha mãe estudei piano, estilos musicais, formas, teoria musical, harmonia, análise e princípios da composição, incluindo música contemporânea. Com quatorze anos, tive meu primeiro contato prático-composicional com a música eletroacústica através de um gravador Revox quatro canais e dois microfones que meu pai adquiriu. Toda esta experiência constituiu um fundamento sólido para meu desenvolvimento posterior, que ocorreu nos palcos, dentro da Universidade e em centros de pesquisa nacionais e internacionais.



2) Você realizou estudos no Brasil e exterior. Pode falar um pouco ?

Quando entrei na faculdade de Composição e Regência na UNESP tive minhas primeiras experiências como aluno de música em uma instituição. Posteriormente realizei mestrado em composição na UFRJ e alguns anos depois terminei meu Doutorado em Comunicação e Semiótica-Artes na PUC. Todas estas Universidades tinham professores com sólida formação internacional e traziam freqüentes convidados internacionais, com destaque para a PUC que naquela época era 100% internacional. Depois do Doutorado passei a realizar inúmeras viagens para criação musical e pesquisa em diversos centros e universidades fora do Brasil, incluindo Inglaterra, Finlândia, Estados Unidos e Espanha, onde atualmente resido e atuo como pesquisador na Universidade de Valladolid. Desta experiência aprendi várias coisas importantes, entre as quais: aprendi a ter flexibilidade cultural por entrar em contato com matrizes culturais diferentes da brasileira (o que me enriqueceu muito como ser humano), e aprendi a avaliar melhor o valor de minha formação e daquilo que eu oferecia como compositor à música (passando a ter certeza que o que eu oferecia era de fato original).




3 ) Seu trabalho Modelagens que resultou numa série de criações com o mesmo nome. Qual a estética ou o desenvolvimento técnico destas composições ?

Compus treze modelagens, todas na década de 1990. Estas obras são para várias formações, incluindo solos, duos, coro, orquestra e música eletroacústica. Um dos conceitos-chave nestas obras é a manipulação do som e da arquitetura musical como matérias plásticas. Eu buscava uma similaridade entre a forma do material sonoro e o desenho global da obra, de maneira que esta interação se desse através de materiais e formas originais. Na Modelagem V, que é uma obra eletroacústica, o som de um arco de contrabaixo friccionando um prato de percussão é o ponto de partida da obra. Analisei a morfologia e o espectro deste som e o resultado foi utilizado para arquitetar o desenho global de toda a composição. No entanto os sons utilizados na composição são provenientes de diversas fontes sonoras que se comportam como se fossem o som do prato, mas na verdade são timbres completamente novos, diversas vezes divergentes entre si, mas que são unificados pela forma global da obra. A tensão dramática gerada entre a natureza dos materiais utilizados e a forma global que vai se constituindo gradativamente é emocionante. Envolve completamente a escuta em um universo musical inesperado e ao mesmo tempo coerente e convincente. A escuta termina por entrar em um universo sonoro surpreendente. Este procedimento ocorre de modo diferente em cada uma das Modelagens, e é muito produtivo porque permite gerar materiais novos a cada momento, assim como formas musicais sofisticadas, e toda uma metodologia original de tratamento harmônico-tímbrico, rítmico e melódico. Nas minhas últimas modelagens novas características começam a aparecer e, por isso, parti para a exploração de novos caminhos criativos.



4 ) Como você situa a musica contemporânea em seu repertório e em relação à sua estética musical ?

As Modelagens são reconhecidas pelo público como obras claramente contemporâneas. Evolon é minha primeira obra depois da Modelagem XIII e introduz elementos que já são antecipados em minhas obras anteriores, mas que só neste momento passam a se desenvolver. Um elemento chave em minhas obras recentes (de 2000 a 2009) é o uso da referência que alguns sons podem realizar a contextos e circunstâncias diversas. Estas referencias dão densidade aos sons. Estes sons, agora, são mais que somente objetos sonoros, e podem realizar vários tipos de transferências de significado de um universo musical a outro, criando uma operação sobre o sentido musical que é incrivelmente positiva e envolvente. A tensão dramática das Modelagens agora se transforma em um dramatismo entre os significados que um determinado segmento musical pode ter em uma obra. Esta transformação no sentido é uma verdadeira revelação para a escuta, e gera uma fruição musical muito especial e refinada. Em meu Prelúdio, para piano, escutamos materiais que inicialmente parecem que irão formar uma clara idéia musical. Posteriormente parecem que se desenvolvem, finalmente parece que a obra se dirige ao seu final. Mas os materiais praticamente não se modificam! Como podem mudar de sentido desta maneira? Na verdade, na sua totalidade, a obra não é nada mais que uma coda realizada com materiais que se simplificam progressivamente. Uma longa coda sem nenhum início, sem nada que venha antes, mas nossa escuta insiste em buscar este início, e toda uma reinterpretação dos materiais passa a ocorrer de modo intenso e dinâmico. Este tipo de proposta composicional tem um efeito impressionante na escuta, em nossas emoções e em nosso intelecto. Isto que estou fazendo, no entanto, não entra no paradigma mais comumente reconhecido como “música contemporânea”. Trata-se de algo diferente, um passo adiante que trabalha não mais sobre a matéria sonora e sim diretamente sobre o sentido musical, seja com matérias sonoras tipicamente contemporâneas ou não. Esta operação de mudança de sentido eu denominei retórica. Estas operações retóricas podem ser muito diversas, e são verdadeiros achados musicais que me dão muita flexibilidade e abertura musical, mas hoje reconheço que merecem um nome diferente de “música contemporânea”.

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